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domingo, 31 de agosto de 2014

[A MÃO DO ESCRITOR] Um conto e uma poesia #07

Mais um domingo, mais uma postagem da nossa querida tag A Mão do Escritor, trazendo contos, crônicas e poesias, semanalmente, de diversos autores, priorizando os que, de uma forma ou de outra, seriam ou foram homenageados durante a semana, além de trazer textos de nossos tão queridos e importante leitores, que podem enviar seus escritos logo na aba de Contato, que ele será publicado posteriormente no blog.
Hoje, traremos um conto do conceituado jornalista e escritor brasileiro Marques Rebelo, que sofreu uma homenagem póstuma na terça-feira, dia 26, em detrimento de seu falecimento. Já a poesia será de um dos meus poetas favoritos e escritor de uma das obras mais críticas e polêmicas da história (As Flores do Mal), o francês Charles Baudelaire, homenageado também postumamente, tendo seu falecimento dia 31 de Agosto de 1867, ou seja, sendo lembrado justamente hoje.
Conheça um pouco mais de seus escritos abaixo ;)





CONTO
crônica escrita por Marques Rebelo e publicada em Contos Reunidos, 1997

UMA SENHORA

Dona Quinota não se importava com a aspereza do ano inteiro. Com ela era ali no duro - trabalho, trabalho e mais trabalho. O ordenado das empregadas, na verdade, era uma pouca vergonha que a polícia devia pôr um paradeiro. Não punha. Vivia metida com a maldita polícia. Falta duma boa revolução!... Ah! Se ela fosse homem... Enquanto a revolução não vinha para botar tudo nos eixos, obrigando-a a endireitar empregadas, fazia de criada - cozinhava, varria, cosia, encerava a casa também, aos sábados, depois que disseram pelo rádio ser higiênico e muito econômico.
- Econômico? Então se encera mesmo.
O marido, que já estava acostumado àquelas resoluções, largou no melhor pedaço o volume de Os Miseráveis, meteu sobre o pijama a gabardine cheirando a gasolina na gola e foi telefonar para a loja de ferragens, pedindo duas latas de cera - da boa, vê lá! - chorando um abatimentozinho na escova e na palha de aço: está ouvindo, seu Fernandes?
Estava sempre para tudo, que,  graças a Deus, era mulher forte. Saíra à mãe, que também o fora, morrendo velha de desastre, desastre doméstico, uma chaleira de água fervendo para o escalda-pé do marido, um coronel reformado, que lhe virou por cima do corpo.
Nunca se queixava da vida. Não ia à cidade passear, as suas compras eram em regra feitas pelo marido, precisava que a fita fosse muito falada para ela se abalar até o cinema do bairro, onde cochilava a bom cochilar; contavam-se os domingo em que ia à missa, não fazia visitas, nem recebia.
Não reclamava o trabalho que lhe davam os filhos, três desmazelados que andavam na escola pública, Élcio, Élcia e Elcina, respectivamente quinze, quatorze e treze anos, o que atesta bem a força do marido e dá  ideia o que seria depois de dez anos de casada, se depois de Elcina não tomasse as devidas precauções.
- Não se esqueçam de dar lembranças à Dona Margarida - aconselhava na hora da saida, enquanto punha nas bolsas as bananas e o pão com manteiga da merenda.Dona Margarida fora sua amiga no colégio das Irmãs, uma bicha no francês, cearense, um talento! Mandar lembranças para ela equivalia a dizer: Olha que são meus filhos, Margarida; filhos de tua amiga Quinota.
E os exames estavam perto, comprêmios de cadernetas da Caixa Econômica dados pelo prefeito, ridicularizados pelos jornais oposicionistas, elogiados pelos do governo - a Folha  dizia que era um gesto de mecenas mas enfim fartamente anunciados em todos os jornais para incentivo da meninada estudiosa. Ela queria ser mordida por um macaco se não arranjasse três cadernetas para casa. Os filhos é que não faziam fé.
Bordava para fora,cuidava do Joli, o bichano para sujar a casa era um desespero, e sobrava tempo ainda para ter ciumes do marido com as vizinhas, principalmente Dona Consuelo, uma descarada, é certo, mas muito chique, confessava.
Chegando o carnaval, tirava a forra.
As economias  acumuladas saiam do Banco Popular juntas com os juros. Não ficava nada. Metia-se numa fantasia de baiana e inundava a capota do seu automóvel com seus  oitenta e cinco quilos honestíssimos. As meninas iam de baianas também, menos saias, mais berloques, e o menino de pierrô, cada ano de uma cor, porque não é para outra coisa que o dono do Tintol gasta aquele dinheirão em anúncios.Tirava do cabide a casaca do casamento, dezesseis anos por isso (como o tempo corre!), dava um jeito nas manchas:
- No automóvel, ninguém repara, meu filho- dizia com um sorriso,ora para a casaca, ora para o marido, que se traduzia: lembras-te?
Ele, então, com uma faixa vermelha na cintura, brincos em forma de argola, pendentes das orelhas demasiadas, enfiava na cabeça um turbante de seda branca com pérolas em profusão, e ia em pé, no carro, de rajá diplomata.
No terceiro dia, graças a Deus não choveu em nenhum dos três, perguntava para o marido:
Quanto temos ainda?
Ele remexia a carteira (bolso da casaca é o tipo de coisa encrencada!), fura-bolos trabalhava passado na língua, e cantava a quantia:
- Duzentos e oitenta.
- E os oitocentos do automóvel?
- Já estão fora.
- Ah! Bem... - Para fazer contas no ar era um assombro: ... pode gastar mais cento e cinqüenta.
O resto ficava para agastar depois do carnaval - mas entrava na verba dele - com o fígado do marido, porque depois da pândega ( a experiência de Dona Quinota é que falava) Seu Juca tinha rebordosas. vômitos biliosos, uma dor do lado danada, de tanta canseira, tanta serpentina e tanta cerveja gelada.
Não faz mal. Não fazia não. A vida era aquilo mesmo: três dias - falava. Mas pensava: por ano. Podia dizer, mas não dizia. Deixava ficar lá dentro. O " lá dentro" de Dona Quinota era uma coisa complicada, complicadíssima, que ninguém compreendia. Só ela mesma e o marido, às vezes.
Desciam do automóvel à porta da casa, quando o vizinho veio vindo com o rancho da filharada.
- Assim, assim...
Dona Quinota dizia aquele "assim-assim" de propósito.que lhe importava os outros saberem se ela tinha gozado ou não? Quem gozava era ela. Mas gostava de ficar deliciando-se  por dentro coma inveja dos vizinhos: assim, assim... Ah! Ah! Ah!
Seu Adalberto exultava:
É isso mesmo. Fez-se despesas enormes ( e Dona Quinota sorria) e não se diverte nada. (Dona Quinota olhava para o céu).É sempre assim. Pois olhe: nós fomos a pé mesmo. Estivemos ali na Avenida na esquina do Derbi, apreciamos o baile do Clube Naval, muita fantasia rica, muita, vimos perfeotamente as sociedades, tomamos refrescos, brincamos à grande. Não foi?
As mocinhas fizeram que sim, humilhadas, mas os guris foram sinceros:
Aquele carro do girassol que rodava, hem, papai!
Seu Adalberto corrigiu logo:
-Girassol, não, Artur; crisântemo.
Depois que corrigiu, ficou azul, sem saber ao certo se era crisântemo ou crisantemo - quer ver que eu disse besteira?
Seu Juca não havia meio de encontrar o raio da chave. Esses bolsos da casaca!...
-O ano que vem - Dona Quinota falou firme - nós iremos também a pé.
O marido até se virou. Ficou olhando espantado.Que diabo é isso? - ia perguntando. Por um triz não perguntou. Mas ficou assim... Compreendeu? Parece... Esta Quinota!...
Foi quando Seu Adalberto, evidentemente mortificado, se refez e sentenciou como experiente na matéria, apesar de nunca ter entrado num automóvel pelo carnaval: é melhor mesmo.
A tribo sumiu pela porta do 37. A maçaneta fechou por dentro. Torreco torreco.Agora foi a chave - duas voltas. O pigarro do Seu Adalberto, ainda com o acento do crisântemo a fuzilar-lhe na cabeça, veio até cá fora se misturar com um resto de choro, pandeiro e chocalhos, do bonde que passava mais longe. Passos apressados no fundo da rua. O burro do inglês estava na janela do apartamento fumando para a lua. Dona Quinota ficou olhando-o um pouco, depois cerrou a porta bem e fixou o marido que dava por falta dum brinco: Que cretinos!
Seu Juca parou no meio do corredor, cara de ressaca, pernas abertas, o turbante nas mãos e esperou mais. Mas Dona Quinota era hermética. O resto ficou lá dentro onde ninguém ia buscar, porque o marido, o único interessado na ocasião, mais morto do que vivo, preferiu tirar o colarinho e a casaca.
Dona Quinota atirou-se na cama escangalhada e feliz, só acordando na quarta-feira de cinzas ao meio dia.
Quando o resto da família se levantou, o almoço (feito por ela) já estava na mesa, e Dona Quinota se desesperava porque tinha lido no Jornal do Brasil  que foram os Fenianos  que pegaram o primeiro prêmio, quando todo mundo viu perfeitamente que só o carro-chefe dos Democráticos...


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POESIA

A UMA PASSANTE

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daqui! Tarde demais! Nunca, talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,

Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste! 


Conheça mais os trabalhos desses grandes escritores! Deixe também seu comentário ;)
Até o próximo domingo!

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