O Estrangeiro, de acordo com o tema proposto por esse último tema do Desafio Literário (um livro que já li), foi uma das obras que mais me marcou e que mais me influenciou durante os últimos anos, principalmente no que diz respeito à minha personalidade. Juntamente a Holden Caulfield, que considero o personagem com o qual mais me identifiquei em toda a minha vida, Meursault quase que consegue ser tão interessante quanto o personagem de Salinger, talvez a única diferença tenha sido a localização temporal e, obviamente, a diferença etária entre os personagens.
Pensei em reler vários outros que ainda não foram resenhados (inclusive o próprio Apanhador no Campo de Centeio), mas decidi ficar com O Estrangeiro e trazer um pouco mais dessa clássica e tão influente obra e da personalidade de Meursault, que é o foco principal do enredo.
O Estrangeiro
Camus, Albert
Editora Record, 2010
O Estrangeiro é um clássico da literatura internacional, escrito pelo francês Albert Camus e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. A obra foi classificada como um dos 100 maiores livros de todos os tempos, o que já é meio óbvio por conta da premiação no Nobel, e logo seria classificada, também, como um dos livros mais influentes de todos os tempos, se postando ao lado de Saramago, Salinger, Kerouac e grandes nomes da literatura do século XX.
O Estrangeiro faz parte de uma coletânea conhecida como Ciclo do Absurdo. Uma trilogia composta pelo próprio, por O Mito de Sísifo (ensaio) e por Calígula (teatro). Apenas pelos nomes destas duas últimas citadas podemos perceber porque a trilogia é nomeada de Absurdo, característica recorrente nos temas das obras do escritor francês.
Foi publicada em meados de 1942 e, apenas 4 anos depois, em 1946, foi lançada aqui nas terras brasileiras, pela editora Vintage Books. O livro já recebeu inúmeras edições durante as décadas e sua última consta de 2010, publicada pela renomada Editora Record.
A história trata da mente e do funcionamento da mente de homem de meia-idade, incapaz de sentir algo ou de sensibilizar-se. Indiferente a tudo e a todos, o rapaz conhecido apenas como Meursault é uma grande incógnita para a sociedade e para as pessoas que o rodeiam. Logo no início, já lemos uma cena um tanto quanto peculiar, quando o homem se dirige ao velório de sua internada mãe e age como se tudo ali fosse natural e sem significância para ele. Tudo parece ser apenas realizado para "cumprir tabela" ou por termos burocráticos e familiares, mas em nenhum momento Meursault se sensibiliza pela perda de sua mãe, apenas pensa em como chegou ali e nas condições que vivia antes de interná-la intencionalmente.
A partir daí, a sua vida segue, como se a recente tragédia em nada o tivesse afetado. Incapaz de sentir emoções ou de mesmo pensar em sua mãe enquanto viva, Meursault logo se joga à sua rotina e segue em frente rapidamente. Se envolve com uma mulher já no dia pós-velório, sai para beber e para ver filmes cômicos e curtindo seus dias com seus novos amigos.
Sua situação se complica quando conhece Raymond Sintés, logo tornando-se seu principal cúmplice , já que descobre que ele agredia sua mulher descendente de árabes. Deste modo, os dois dão um jeito de se livrar da mulher e de escapar de todas as acusações que possam existir contra os dois ou contra seus conhecimentos sobre o caso da agressão.
Logo, em uma viagem com amigos para longe de suas casas, eles se deparam com os árabes da família da ex-mulher de Sintés e, deste modo, se sentem ameaçados. Certo dia, os encontram na praia e confrontam os tal árabes, assustando-os e se livrando, pelo menos, temporariamente. Meursault, já mais tranquilo e livre dos problemas causados por Sintés, volta à praia e, repentinamente e inconsequentemente, atira várias vezes no árabe solitário, após encontrá-lo vulnerável. Meursault é descoberto e preso, sendo enviado, futuramente, a um rigoroso julgamento, que decidirá o seu futuro.
O Estrangeiro, para os mais sensíveis, é uma obra extremamente forte e assustadora, por não ser nem um pouco humana. Para os mais sensíveis ainda, não recomendo, porque devem ficar com aquelas frescuras e vão fazer abaixo-assinados pra censurar o livro e pra processar quem publicá-lo. Se você gosta de ler e se identifica com personagens orgulhosos, de personalidade forte, imunes aos acontecimentos mundanos e indiferentes aos relacionamentos e sentimentos, acredito que vá gostar do livro de Camus.
Meursault realmente é um cara escroto. Nada o afeta e tudo que acontece com ele é encarado em uma naturalidade sobre-humana. O homem é bastante reflexivo e metódico, mas não é frio. Trata todos com educação, cortesia e respeito, o que nos prova que seu problema é mais interno e psicológico do que sua aparência transmite. O modo de ação diante da morte de sua mãe é similiar aos momentos de julgamento e interrogatório, quando Meursault, sem medo, assume que matou o árabe e que não foi capaz de sentir nada quando realizou o assassinato, mesmo contra alguém que, na hora, estava sendo inofensivo.
Os pensamentos do protagonistas são brilhantes e seguem uma linha bastante lógica, sendo perfeitamente esclarecido aos leitores e podendo, até mesmo, fazer com que nos coloquemos no lugar do personagem. O foco do livro é sua personalidade e seu modo de encarar os fatos mundanos, sendo quase um estudo psicológico, um ensaio. Com uma linguagem simples e com uma criação bastante ousada, Camus criou um caractere único e um personagem que não será esquecido por muito tempo pelos leitores.
O Estrangeiro foi uma incógnita durante minha primeira leitura, pois não entendia o nome do livro. Nessa minha releitura, tudo ficou perfeitamente claro. Meursault é tratado como estrangeiro por todos, mas não como um estrangeiro vindo de outro país ou região com outra cultura, mas sim como um estrangeiro entre os humanos, já que assustava a todos com sua indiferença e não era afetado por quaisquer tipos de emoções. Deste modo, Meursault logo se destacou, não negativamente ou positivamente, mas do mesmo modo como ele tratava os outros: como algo neutro, sem importância. Um fantasma.
Porém, tudo mudou após o assassinato cometido e, deste modo, foi-se descobrindo como sua mente funcionava e o quão perigoso o rapaz era, já que contriubuía para o desequilíbrio e para o não funcionamento de um bom convívio em sociedade. Um estrangeiro entre todos os humanos.
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